terça-feira, 3 de abril de 2012

Love is a shitty, big, fat lie.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Funeral


Pegou a mãozinha sem vida, pálida, ensanguentada. Lembrou dos dedinhos finos e brancos, de gente loira, de como achava engraçado o jeito que ela coçava o nariz ou como não conseguia atravessar a rua sem dar as mãos.

Eram três da manhã quando o telefone tocou. Joana mal conseguia falar. Disse que Alice tinha sido encontrada com treze facadas, na quadra de futebol do prédio onde morava. Sempre teve pressão baixa, jamais conseguiria chegar ao hospital com vida. Foi parar no IML, e era para lá que Joana e Elisa estavam indo. Susana já havia embarcado no avião, chegaria em algumas horas. Os pais de Alice também estavam a caminho.

O dia amanheceu quando Joana chegou em Brasília. Estacionou o carro e pediu para Elisa dirigir, porque não conseguiria depois dos duzentos quilômetros que percorrera em uma desesperada hora e meia. Os olhos mais vermelhos que os cabelos, não acreditando no que estava prestes a ver.

Entraram. Elisa olhou para Joana e ficou se perguntando se ela já não tinha entrado em um lugar como aquele na faculdade de medicina. O chão imundo, barulho de moscas, sangue e cheiro de gente morta misturada. A luz vinha da porta por onde entraram e das janelas, a mais de dez metros de altura.

Os corpos estavam ali, ensacados como os iguais que somos todos na morte. Joana chorava quietinha, abraçada em Elisa, que parecia não entender direito que aquilo estava acontecendo. Entre os iguais, a mãozinha esquerda pendurada de lado denunciou onde a amiga estava. Olhou fixo, esperando o legista indicar o corpo.

Aproximaram-se. O plástico ainda tinha sangue, a mão estava machucada. O esmalte da mesma cor se confundia com o restante. Alice gostava muito de pintar as unhas bem compridas de vermelho, que acabavam quebrando de tão fininhas que eram.

Joana escondeu os olhos com a mão direita. Elisa, como a gente vai olhar no rosto da Susana, quando ela chegar? E falar com os pais da Alice? Como vai ser daqui pra frente?

Elisa pegou Joana pela mão e saiu de lá. Fechou a porta. Ficou segurando a mão da amiga, olhando para o chão.

Joana. A Alice morreu sabendo que os pais a amavam, que você a amava, que a Susana era a melhor amiga dela. Me diz, Joana. Me diz como é que eu vou contar pra ela que mesmo depois daquela briga horrível, mesmo depois de tanto tempo sem nos falarmos, eu ainda a conto como grande amiga? Como eu vou dizer pra Alice, eu te amo apesar de tudo?

Recebeu o olhar tristonho de Joana para, enfim, as lágrimas quentes chegarem.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Uma carta

Querido,

Preciso te contar, meu tão querido, o que você me fez. Quero crer que você fez tudo isso sem ver, sem perceber, e sem a menor intenção. Na sua cabeça, você estava certo e foi isso que importou por muito tempo. Mas querido, olha como você me fez. Queria que eu fosse tão boa quanto você, uma perfeita cópia sua. E você jamais precisou de elogios ou de aprovação, e não importa se alguém tente achar algum defeito seu: ele não existe. Já eu... Bom, eu sou desgrenhada como uma bruxinha, a mais gorda da sala, o meu perfume é fedido e é inclusive por isso que eu fui achada na lata de lixo. Por alguns anos eu não tinha coragem de me sentar ao seu lado, porque você tinha nojo do meu cabelo. Eu dirijo mal como você, sou misantropa como você, traiçoeira como você. Não me importo com as vontades dos outros, como você. E por isso, devo ser punida.

Mas o fato, meu querido, é que meu pior medo sempre foi decepcionar você. E eu vivia fazendo isso, o tempo todo. Quando eu não acertava uma cesta do garrafão, quando eu não aprendi matemática, quando eu não aprendi biologia. Mais tarde, não importou que eu tivesse aprendido bem as duas matérias, além de física e química. Muito menos que eu fosse craque em história, geografia, inglês, português e literatura. Você sempre soube mais.

Perdoa, querido, mas a culpa é quase toda sua se eu nunca fui um monstro feio e gordo e sempre pensei isso de mim. Se algum dia eu me achei muito burra e incapaz (e olha, foram vários dias), a culpa é sua. Eu nunca fui boa o suficiente, nem para mim, nem para você. E enquanto eu não for um ser perfeito, eu não serei um ser completo, e aí você não pode permitir que eu me torne uma adulta.

O momento mais feliz da minha vida foi o meio sorriso e o abraço que eu ganhei de você quando passei no vestibular. Um ano depois, foi o pior momento da história do meu universo,você disse que se envergonhava de ter alguém como eu em casa.

O mais assustador é que você nunca está errado. Mas o seu problema é que você sempre age de maneira errada.

Por mais de duas décadas eu me orgulhei dos seus acertos e perdoei os seus erros, e tudo que te peço agora é que você faça o mesmo por mim. Por favor, me deixa ser.

Sua,

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Náusea

Preciso dizer tudo. Mas tudo é uma série de coisas que vão me ocorrendo muito rápido e nem meus dedinhos bem treinados pelo mestre datilógrafo (aulas que papai me obrigou a fazer aos 11 anos) conseguem acompanhar. Mas a sensação é sempre a mesma - quando não piora. Pior que a pior das culpas, mais doído que ver o Mohammad morrendo afogado. Vontade de que tudo se encha d'água à minha volta, como no (não) suicídio da Laura Brown. Vontade de - como um colega definiu maravilhosamente bem - explodir em mil pedacinhos, o que é mais que vontade de simplesmente sumir. É um desejo profundo de deixar de existir, mas isso não significa vontade de morrer. Dura um instante apenas, ou vários deles repetidamente, mas prometo que é bem rápido.

Isso que se instalou no peito é uma vontade de dizer o que já foi dito milhões de vezes. Mas não adianta dizer, parece, porque nada se resolve. Dizer cansa quem diz e cansa quem ouve e, embora o silêncio não seja a decisão mais sábia, é a mais fácil. Fica só esse nó entalado na garganta, tão apertado que é quase impossível dar bom dia à vizinha mais simpática. Posso viver com isso, acho.

E os olhos, ah, parece que tem uma sombra azul Juliette Binoche em cima deles. Não é o suficiente para cegar, mas é o bastante para tornar tudo turvo, turbulento e doloroso o suficiente para querer esquecer. Esse líquido grosso que está ao redor dos olhos é igual ao da culpa, e acho que é porque já não desce mais nada deles. Não que isso seja exatamente um problema, nunca fui dada a esse tipo de coisa. Quase uma Amanda Woods.

Durante a semana, nós éramos Ozzie e Harriet.

Durante a semana, nós somos Francesca e Richard Johnson.

Vida que segue.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Honey Pie, dos meninos

She was a working girl
North of England way
Now she's hit the big time
In the U.S.A.
And if she could only hear me
This is what I'd say.

Honey pie you are making me crazy
I'm in love but I'm lazy
So won't you please come home.

Oh honey pie my position is tragic
Come and show me the magic
of your Hollywood song.

You became a legend of the silver screen
And now the thought of meeting you
Makes me weak in the knee.

Oh honey pie you are driving me frantic
Sail across the Atlantic
To be where you belong.

Honey pie, come back to me.

I like it like that,
Oohh, I like this kinda, hot kind of music.
Hot kind of music, play it to me,
Play it to me Hollywood blues

Will the wind that blew her boat
Across the sea
Kindly send her sailing back to me.

Honey pie you are making me crazy
I'm in love but I'm lazy
So won't you please come home.

sábado, 5 de setembro de 2009

Gota d'água, de Francisco

Já lhe dei meu corpo
Minha alegria
Já estanquei meu sangue
Quando fervia
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta
Pro desfecho da festa
Por favor...

Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água

domingo, 9 de agosto de 2009

As moscas

Aprendi algumas coisas no ensino médio. A mais relevante delas foi que quase nada daquilo me serviria um dia. Mas ainda assim, sei até hoje que um triângulo pitagórico é três quatro e cinco, que F é flúor e não fósforo, que canção de maldizer é mais malvada que a canção de escárnio, que força centrífuga é uma maluquice que não existe pra você vestibulando, que na Revolução Francesa a média de guilhotinadas foi de 126 por dia. Sei também que as moscas têm inúmeros olhos.


Inúmeros, inúmeros. Tantos que cansei de contar. Uns olhos que amam muito, mas que muito antes disso, que vigiam constantemente. Cada olho de cada mosca vigia cada gesto seu. Cada olhar, cada reação, cada comentário, cada tom de voz. Analisam suas risadas e expressões. E não analisam para chegar a alguma conclusão, mas apenas para comprovar uma tese. Se você não ri de uma piada de sexo, por exemplo, você é um hipócrita fingido. Se você cai na gargalhada, você merece queimar no inferno, devasso sem vergonha.

As moscas não se contentam em vigiar cada centímetro seu, nem em criar uma teoria mirabolante que só existe na cabeça delas - e o mais incrível é que as teses geralmente coincidem entre si -, mas ficam zumbindo aquele zumbido interminável de mosca no seu ouvido, eu vou contar, eu vou contar, eu vou contar; ela já sabe; eu vou contar mesmo assim; mas ela já sabe; ela vai saber por mim. Se as moscas soubessem do mal que fazem a ela, será que se contentariam em zumbir apenas entre si?

Posso estar enganada, mas não. Essa família de moscas tem a característica de ter um meio coração, um coração que funciona aqui e ali, que funciona quase sempre que precisa, mas que por algum motivo ainda desconhecido à ciência, falha em se tratando de olhar um grande amor. Um grande amor que não seja o seu, veja bem. Tudo bem você querer se apaixonar por uma profissão (mas só se for a delas), por um livro (mas só se for o delas), por uma foto (mas só se for a delas), por um quadro (mas só se for o delas), por um gosto musical (mas só se for o delas), enfim. Só pode se apaixonar por algo se seus olhinhos sem fim concordarem.

Do amor, as moscas só entendem do seu. E do da mocinha da novela, que é fácil fácil de entender.