domingo, 23 de novembro de 2008

O dia que não foi

Aquela coisa a perseguira a manhã toda. Estafada, derrotada, ela por fim se sentou naquele banco de tijolos alaranjados e quadrados no meio da rua e berrou para cima, com toda força que tinha, cai, cai logo, e vê se cai de uma vez. E, como se desse uma risadinha sarcástica, a estrela demorou um pouquinho para cair, para dar esperança a ela, e depois despencou com toda força em suas pernas trêmulas.
Carregou aquilo para casa. A estrela lhe feria as mãos, mas não sangrava, nem queimava, nem nada aparente. Comeu-a no almoço. Aquilo lhe doía a garganta, ardia o estômago, deformava os talheres. Tinha um gosto azedo e espinhoso, dolorido. Quis se sentir mulher, e para aplacar a dor comeu o chocolate ao leite mais amargo que já provara.
Naquele dia, ela, que nunca chorava, colocou tudo para fora. A estrela doía demais no estômago para seu ego agüentar. Chorou todas as suas mágoas e suas dores, reclamou para as pessoas amadas de todos os seus problemas tão mesquinhos (seriam mesquinhos mesmo ou ela se martirizava demais por tudo?) que lhe doíam tanto no seu obscuro inconsciente.
E então, ela, que queria tanto se sentir mulher, não lavou o rosto após o choro, e não aproveitou a beleza que toda mulher tem após o pranto. Não passou um batom nos lábios trêmulos e secos. Não vestiu seu mais belo vestido. Não foi se divertir com os seus naquela noite. Não disse sim! àquele homem tão interessante que a telefonava às vezes. Não optou pela diversão. Não quis trabalhar.
Naquele dia, ela quis apenas ser.
E depois de tanto sofrer, de tanto chorar, de enxergar quem ela realmente era, ela resolveu que era hora de melhorar. Hora de enxergar que aquela estrela que via tão pontuda era, na verdade, um átomo, uma coisa microscópica que não poderia lhe fazer tanto mal.
O sol vem amanhã, disse ela à noite escura.
Durante o banho, lavou todo aquele dia horrível do corpo. Expurgou toda a sujeira, o suor e o ranço que a ilusão da estrela lhe trouxera.
Por fim, dormiu um sono pesado como não dormia há tempos. Não foi perturbada pela insônia, e nem mesmo sonhou os sonhos horríveis das últimas noites. Descansou, apenas.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

ego

Clara escrevia por inveja. Tudo que lia, mesmo que lindo, soava, pra ela, como um insulto, um desafio. Clara ainda era nova, tinha a idade em que as pessoas exibem os livros na prateleira e se sentem mais felizes por tê-los do que por lê-los.

Clara era tão nova que achava que sexo tinha a ver com amor e que cinema parecia verdade. Ela tinha um caderno onde escrevia suas coisas. A essas coisas, Clara deu o nome de arte. Ela mesma não sabia se, por ousadia, ou falta de criatividade.

Quando o caderno dela acabava, ela o guardava em algum lugar escondido, mas tinha certeza que, assim como segredos,
isso também era algo que guardava pra mostrar algum dia. Aliás, Clara era tão nova que ainda acreditava que amanhã, ou depois, ou não sei, qualquer coisa magnífica aconteceria.

Coitada de Clara, ela era tão nova que dava dó.


Jarleo Barbosa

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Dez anos


Saltou do carro e correu. Os sapatinhos de veludo vermelho iam se sujando no caminho de terra, as meias brancas e rendadas acumulando poeira enquanto ela disparava para os braços da avó. Dona Ana deu sua risada mais gostosa ao abraçar a neta.

Depois da repreensão da mãe por estar se comportando feito menino (você já é uma mocinha, Gabriela!), a menina beijou os pais, ouviu impaciente as recomendações exigentes da mãe em relação ao seu comportamento e se despediu. Começava a melhor semana do ano: férias na vovó.

Vovó Ana fazia pães em formato de bichinhos, bolachas, rosquinhas, geléias, doces, frango caipira, polenta. Levava a menina bem cedo para beber leite fresquinho da vaca e às vezes também para colher uvas nas videiras. A fruta preferida de Gabriela era uva. Sentava no chão e comia, enquanto os empregados da fazenda colhiam à sua volta. Nessas horas, vovó conversava bem austera com os outros adultos e Gabriela pensava no quanto ser adulto deveria ser chato.

Gabriela morria de medo das galinhas, mas adorava assustá-las. Esperava a galinha se agachar no meio da horta, para botar um ovo, e quando ela já estava lá há algum tempo, Gabriela gritava e a galinha saía correndo, apavorada. Dona Ana ficava uma arara, dizia que não ia mais dar ovo para a menina comer, mas sempre voltava atrás. Avós têm coração mole com os netos.

Dois dias depois da chegada de Gabriela, os primos também chegaram. Com eles por perto, ela se soltava ainda mais. Conseguia até superar a timidez e ir com eles chamar as outras crianças das fazendas vizinhas para brincar. Imitavam os super heróis da tevê, faziam peças de teatro para os adultos e, de noite, ouviam as histórias de terror que Pedro, um dos meninos, contava. Gabriela ficava apavorada, mas ficava lá até o fim. Seria um vexame sair correndo que nem um bebê assustado.

De todas as crianças, Pedro era a que mais intimidava Gabriela. Ela não tinha coragem de puxar assunto com ele. Abaixava a cabeça quando ele se dirigia a ela e respondia com um fio de voz. Nas férias anteriores, durante um pique-esconde, Gabriela não conseguia achar um lugar para se esconder e Pedro a puxou para trás do muro do galinheiro. Ela mal conseguiu agradecer, de tão nervosa. Por que ela queria entrar em um buraco toda vez que avistava o menino?

Durante o ano que se passou, ela entendeu. E naquelas férias, foi para a fazenda com uma expectativa e um nervosismo que nunca a acometera. Mal podia esperar a chegada dos primos. Logo ela estava lá, ouvindo as histórias apavorantes do vizinho, pendurada em cada palavra sua.

Mesmo sabendo de sua condição, Gabriela nunca conseguia puxar papo com Pedro. Depois de três dias de profunda agonia, resolveu confidenciar à prima mais próxima o quanto estava desgostosa com a situação. Para seu profundo pavor, a menina deu uma gargalhada e saiu correndo em direção às outras crianças. Gabriela entrou em pânico.

Naquela noite, estava bastante claro que todos já sabiam. Muitas crianças riam dela, discretamente. Pedro a encarou mais do que o normal durante sua história de terror. Gabriela, então, pela primeira vez na vida, saiu de perto da turma e foi para casa. Algum tempo depois, uma priminha mais nova apareceu.

- Gabi, por que você saiu correndo? Ficou com medo da história?

- Não, Alice. Eu só quis voltar mais cedo.

- Todo mundo sabe que você gosta do Pedro.

- Eu não gosto do Pedro.

- Ué. Só porque todo mundo sabe, agora você não gosta mais?

- Nunca gostei.

Gabriela passou a evitar as crianças. Passava o dia todo lendo na varanda. Ao final do segundo dia de sua ausência, Pedro foi chamá-la para brincar. A menina tirou os olhos do livro, olhou bem fria para o rapazote e respondeu que preferia ler e que ele deveria ir com as outras crianças. Pedro abriu a boca para argumentar, mas ela se levantou de supetão e, dramática, acenou com a mão que não queria saber e entrou marchando na casa.

Dona Ana, que sempre vigiava todos os netos, veio conversar com a menina. Afinal de contas, não é saudável uma criança de dez anos ficar trancafiada em casa enquanto as outras brincam lá fora. E Gabriela, que nunca contava nada para ninguém (ainda mais depois do episódio da prima fofoqueira), começou a chorar assim que a avó comentou sobre o quanto eram interessantes as histórias de Pedro.

Levou um susto tão grande que mal sabia o que fazer. Levou a neta para lavar o rosto e esquentou um leite com chocolate para ela. Assim que Gabriela se acalmou, percebeu que não escaparia do olhar inquisitivo da avó enquanto não confessasse o que a deixava tão triste. E contou tudo. A senhora ficou espantada com a maldade das primas e, muito mais que isso, preocupada com Gabriela. O que era para ser uma paixonite engraçadinha de criança acabara tomando proporções emocionais muito pesadas para uma menina de dez anos.

- Mas você gosta ou não gosta dele?

- Eu não sei, vó.

- Como não sabe, menina? Nessa idade, ou você gosta, ou não gosta.

- Eu não sei. – e, ao olhar desaprovador da avó, ela respondeu que – é como ter dor de garganta. Você tá acostumado com a sua voz e até gosta dela. Aí vem essa dor de garganta, e é horrível, e quando você se recupera, não reconhece mais sua voz. Sabe?

Dona Ana deu uma gargalhada.

- Sei. Quando eu era criança eu também sentia isso.

- Também gostou de um menino?

- É claro. Mas eu me refiro à dor de garganta. Eu também estranhava minha voz. Acho que é porque enquanto você está doente, você continua crescendo e sua voz continua mudando. Aí você a estranha quando volta ao normal.

- E os adultos? Como se sentem?

A velha sorriu, linda com seus tão brilhantes olhos verdes. Suspirou e, com o mesmo sorriso enigmático, respondeu:

- Os adultos dizem que não reconhecem a voz. Mas é só fingimento, eles na verdade se lembram direitinho de como ela era. Eles já cresceram e já mudaram de voz, não pode haver nada de diferente nela. Ser adulto é muito chato. Aproveita o que você tem, Gabriela.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Vou ficando cega?

Primeiro o Ensaio Sobre a Cegueira.
Depois a adaptação para o cinema.
E aí eu assisti Amores Cegos.
Escolhi Evgen Bavcar pra fazer meu trabalho sobre o fotógrafo em Introdução à Fotografia.

Hoje foi A Cor do Paraíso.
E olha, tinha tempo que eu não chorava em filme.



sábado, 11 de outubro de 2008

Bavcar querido.

O que eu mais gosto nas fotos do Bavcar é que muitas delas têm as mãos dele na imagem. Ele enxerga o que fotografa, sim.


quarta-feira, 10 de setembro de 2008

A Rita fez isso mesmo.

Eu levei teu sorriso, no meu sorriso o teu assunto. Levei junto comigo o que te é de direito, e arranquei-te do peito, e tem mais. Levei meu retrato, meu trapo, meu prato, que papel! Uma imagem de São Francisco e um bom disco de Noel. Eu matei nosso amor de vingança, nem herança deixei. Não levei um tostão porque não tinha não, mas causei perdas e danos. Levei os teus planos, teus pobres enganos, os teus vinte anos, o teu coração.

E além de tudo te deixei mudo um violão.

domingo, 1 de junho de 2008

Patética parede


Eduarda era assim, magrinha, pequena, franzina, feia. Não tinha nada de especial no olhar, um cabelo feio e mal-cuidado. Tinha um dente um pouco torto e as orelhas muito pequenas. Usava um casaco cor-de-palha por cima das roupas simples e escuras. Assim como o casaco de todos os dias, usava a mesma expressão. Seu semblante era sempre muito calmo, nada nem ninguém conseguia alterá-lo.



Tocava saxofone em um bar chamado Cabaret. Não era um cabaré, nem nunca seria, mas tinha esse nome. Era apaixonada pelo irmão do patrão, que aparecia por lá de vez em quando. Ela tirava o casaco quando ele assistia ao show de jazz. Queria que ele olhasse para seus braços. Não sabia bem seu nome, mas o sobrenome deveria ser Gomes, como o do patrão.


Eduarda tinha uma historinha com o pianista, o Grilo. Era um homem excêntrico, magro, de cabelos cacheados divididos ao meio, óculos redondos. Usava sapatos horrorosos, mas ela não se importava. Uma ou duas vezes por semana, ela dava para ele. Grilo se arrastava por Eduarda, sem dizer palavra. Depois, beijava-lhe os lábios levemente e saía com um adeus grave como suas notas no piano.


Morava com a avó. Dona Santa queria que ela fosse manicura, mas ela pela primeira (e única) vez na vida bateu o pé e disse que ia ser saxofonista e pronto e acabou. Imagine só, ela, manicura! Desastrada e distraída como era, não poderia nunca tocar as mãos de alguém sem machucá-las. Suas unhas eram muito mal cuidadas, roídas. Dona Santa ficou uma arara. Reclamava quase todos os dias e Eduarda dizia, sim, vovó, acabou que a senhora estava certa. Ser manicura deve ser melhor mesmo.


Não tocava bem o saxofone, mas como não atrapalhava a banda, o patrão foi permitindo que ela ficasse. Eduarda parecia não ter alma. Todos os saxofonistas que o Gomes já vira se curvavam sobre o instrumento, apertavam os olhos, sopravam o instrumento com força. Eduarda ficava ereta, com os olhos abertos e a mesma cara calma. Cara de parede, segundo Dona Santa. Havia uma pilastra de madeira no canto esquerdo do palco, e era por ali que ela ficava. Trabalhava lá há quatro anos e sempre tocara no mesmo canto, protegida pela promessa da pilastra.


Um dia, o irmão do Gomes foi ao Cabaret acompanhado por três moças. Eduarda colocou na cabeça que eram irmãs e primas. A mais velha poderia ser a mãe? Gostou de fantasiar em ter cunhadas e sogra tão bonitas e bem cuidadas. Quem sabe elas cuidariam dela. Não a deixariam envelhecer mais. Eduarda aparentava ser quinze anos mais velha. As três moças do irmão do Gomes seriam sua fonte da juventude.


Naquela noite, o Grilo sorriu para ela antes do adeus grave como suas notas no piano.


Contou para Dona Santa das três moças. A avó disse que ela era muito burra mesmo. E ainda disse, você podia até fisgar o homem, se não fosse tão feia. Mas você é mulher mexida, e homem nenhum quer mulher mexida.Eduarda respondeu que ele gostava dos seus braços.


Você não diz nada de inteligente, resmungou a velha.


Tempos depois o Gomes chegou exultante ao Cabaret. Terça-feira, pensou Eduarda. Ele deveria estar de mau humor. Mas o Gomes sacudia um envelope nas fuças dos músicos. Meu irmão vai se casar com uma moça bonita, inteligente, de boa família. E vocês vão tocar na festa. Preparem algo especial.


Não doeu. Eduarda fez que sim e se concentrou. Tocou na festa como se fosse uma terça qualquer no Cabaret. Manteve a cara de parede. Dona Santa passou dois meses fazendo cara de eu-te-avisei.


Naquele dia, antes do beijo leve e do adeus grave como suas notas no piano, Grilo olhou firme para Eduarda. Ela queria perguntar tanta coisa. Queria saber se o nome dele era Grilo mesmo, se ele gostava dela, se ele era casado, se ele sabia que ela amava o irmão do Gomes, se ele achava que ela tinha cara de parede. Abraçou-o com as pernas e disse, não vai, fica, fica. E começou um choro convulso, um choro acumulado por anos atrás da cara de parede. Não conseguia parar, mal respirava, apenas chorava, chorava, chorava. Parecia que nunca mais pararia de soluçar, parecia que ia gastar toda a água do corpo naquelas lágrimas.


Não, vai, fica. Fica. Eu quero saber de tantas coisas. Fica.


Mas você é uma besta mesmo, disse Dona Santa.


Grilo continuou olhando firme. Ergueu as sobrancelhas. Beijou-lhe a testa levemente, disse um adeus grave como suas notas de piano e foi embora.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

O corpo e a música

Início de século tem um clima de dúvida. Para onde iremos? O que vai acontecer conosco? Quais serão as novas invenções e tendências? O início do nosso século apresenta um algo a mais, um sabor amargo de estagnação. Além de ter dúvidas, as pessoas tendem a não crer que algo possa melhorar. Nas artes, acredita-se que já se explorou tudo que é possível e agora vêm as obras vazias e repetidas, as músicas compostas em cinco minutos.

Existem no Brasil (e ouso dizer, no mundo) movimentos de busca de novas formas de fazer música. Aproveita-se tudo que os instrumentos musicais podem oferecer: os sons tradicionais e até mesmo mecânicos que podem ser tirados deles. Músicas são inventadas e reinventadas. Tudo com a qualidade e a alegria que só os espíritos jovens têm.

O grupo Barbatuques, de São Paulo, me atrai de forma especial. Percussionistas corporais, fazem música com sons do corpo. Usam desde o mais baixo murmúrio até o mais alto bater de pés, das tradicionais palmas até os surpreendentes vácuos de boca. É um movimento extremamente carnal e irreverente, envolvendo um vasto número de artistas e a platéia de uma forma que poucos conseguem. A empolgação do público é quase palpável, os encostos das cadeiras não são usados, é impossível não querer bater palmas ou aprender a fazer todos os sons divertidos usados. O palco vira uma festa, uma desordem extremamente organizada e planejada.

São sons que saíram do improviso e se tornaram obras únicas. As músicas transportam o público para uma aldeia africana, para o sertão nordestino ou para uma mata brasileira. Carregadas de folclore e tendências tribais, são de tirar o fôlego.

Os artistas do Barbatuques mostram que música instrumental pode ser empolgante e que a música brasileira tem futuro. As melodias novas chamam tanta atenção quanto as antigas. São novas formas de interpretar a música, novas formas de usar o corpo. É o futuro se fazendo presente aos olhos (e ouvidos) atentos.

Across the Universe

À primeira vista, parece tão clichê quanto filme de medievo com o Santo Graal no meio. Anos 60, Guerra do Vietnã, Martin Luther King, passeatas pacifistas, drogas, Nova York, Beatles e adivinhe só – Liverpool. Across the Universe, no entanto, vai além e consegue inovar.


A diretora Julie Taymor, de Frida, usa e abusa de seu tom idílico nesse filme. Consegue fazer seqüências fabulosas com determinadas músicas, como em Because, mas carrega na tinta em outras, como em I Want to Hold Your Hand (mais nonsense e meloso impossível) e em Being For The Benefit of Mr. Kite! (o que essa seqüência tem de bom é só a referência aos Malvados Azuis).


No geral, o uso da obra dos Beatles é bem feito. With a Little Help From My Friends ficou muito divertido e, de certa forma, lembra os vídeos e fotos da primeira fase da banda. Let It Be realiza a proposta de ser cantada por negros de igrejas protestantes dos Estados Unidos, além de ter ficado de arrepiar. She’s So Heavy é uma das melhores: bem executada, engraçada (não tem como não rir do Tio Sam cantando) e mais importante, muito profunda. I’ve Just Seen A Face e Come Together lembram ao espectador a estrutura clássica de um musical sem exagerar.


Além das músicas cantadas, há muitas referências às músicas dos Fab Four, a começar com os nomes dos personagens: Jude, Lucy, Max, Prudence e Dr. Robert. Sadie (que é muito sexy) é uma homenagem a Janis Joplin e Jo-Jo, a Jimi Hendrix. Nas falas também é possível notar flashes de determinadas músicas, como When I’m 64, She Came In Through The Bathroom Window e Maxwell’s Silver Hammer. O filme também nos leva ao Cavern Club no começo e faz uma Rooftop Gig no final: começa e termina como os Beatles.


O trio principal é fantástico: não são típicos hippies dos anos 60, são simplesmente jovens que fugiram de suas realidades insatisfatórias. Vivem em uma comunidade alternativa, mas levam vidas relativamente normais. Existe, no entanto, referência aos hippies, envolvimento dos personagens com drogas, psicodelia, Guerra do Vietnã e as passeatas contra esta.


E sim, você viu Salma Hayek em Happiness Is a Warm Gun. Ela pediu à diretora um bico nesse filme. Você também viu Bono Vox atuando muito bem como Dr. Robert e cantando I Am The Walrus muito mal. Fico pensando onde Julie Taymor estava com a cabeça quando o chamou para cantar uma das melhores músicas dos Beatles.


Com uma direção de arte fantástica (repare a produção dos dois bailes do início do filme), uma fotografia linda, atuações de muita sensibilidade e uma direção adequada, Across The Universe peca pelo roteiro fraco. Não prende completamente a atenção do espectador e trata de se esconder atrás da trilha sonora. É, porém, uma história bacana, digna de ser vista, até mesmo por aqueles que não são tão fãs de Beatles.


Porque os fãs vão querer assistir várias vezes.




sábado, 19 de abril de 2008

Mãe Coragem e seus filhos


A peça de Brecht está no Centro Cultural do Banco do Brasil até dia 4 de maio. Vale a pena conferir. Tão linda, tão linda, me doeu inteirinha. Não tenho o que comentar. Vou dizer o quê? Que a guerra é horrível mas dá lucros? Que eu gosto é de personagens humanas, com defeitos e demônios, como as apresentadas? Que é inconcebível que uma família bonita se esfacele com uma guerra? Isso é me limitar ao lugar-comum, às impressões que todos temos. Essa peça é uma jornada diferente para cada um. Então vá conferir você, não espere que eu faça uma resenha. Não sou boa o suficiente.

sábado, 12 de abril de 2008

Pra não dizer que não falei da luta - parte dois.


Não posso e nem vou negar a espontaneidade da invasão à Reitoria da UnB. Ouço dizer que foi assim, decidido em assembléia e o pessoal foi lá e fez. Que seja. A segunda invasão também, pelo que ouvi, foi ainda mais espontânea. Por mim, tudo bem. Não aderi ao movimento desde o início, por não estar, confesso, inteirada dos acontecimentos acerca do Reitor e das fundações, e muito menos a respeito das questões políticas que assinalaram o movimento.

As coisas mudaram de figura na segunda, dia 7. Fui à Reitoria para não dizer que não tinha ido, e vi o quanto o movimento estava organizado. O clima calmo, gostoso dentro da reitoria. Tudo bem limpo e organizado. Ninguém tenso com a perspectiva da chegada da polícia. Gostei e resolvi me informar.

Já na quarta, 9, fui à assembléia para votar as questões em pauta. Não fui só para apoiar o movimento, mas também para votar contra determinadas coisas que eu era contra. Não topei fazer greve. Não gostei de ter visto um garoto com adesivo de partido na camiseta, espero que tenham pedido para ele tirar. Mas saí satisfeita de lá. Não fiz a menor diferença ali, mas fez toda diferença para mim.

Na quinta, 10, por insistência de uma amiga, a Thaís, fui denovo ao CAREI (hêhê), com ela e outro amigo, o Braitner. Saímos de lá com cartazes que espalhamos pelo ICC Norte. É uma sensação engraçada, colar cartazes. O pessoal te olhando, você pensando no que está colando naquela parede. E em quanto tempo aquele cartaz sem autorização de ser colado vai ficar ali.

Bom, na sexta, 11, eles ainda estavam lá. E rolou uma passeata pela universidade todinha (e isso inclui, pasmem, FA e FT), chamando o pessoal para aderir à paralisação. Foi um barato, uma delícia. Minhas colegas ficaram roucas. Eu fiquei com as palmas das mãos insensíveis, de tanto bater palma. Mas foi muito bacana mesmo, estar em uma coisa assim, e ter noção do que se está gritando (isso é MUITO importante).

Se eu quero matar o Borat Tropical? Pode crer. Um palhaço desses acaba com a imagem do movimento. E ainda sai na capa de todos os jornais.

Aí o vice renuncia, o reitor renuncia. Me corrijam se eu estiver errada, mas deve ter sido a única vez na história mundial que os estudantes pressionam um reitor para sair e ele sai. É uma sensação engraçada, um orgulhinho. Uma satisfação, esperança de mudança.

Ontem teve a coletiva de imprensa do novo reitor. Me pareceu um cara disposto a dialogar. Vamos ver no que dá.

Qualquer coisa, os alunos ocupam a Reitoria denovo, oras.

Não?

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Pra não dizer que não falei da luta


Eu, ali, de calça bege, no N da UNB.

Depois falo mais da ocupação e da passeata de hoje.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Max Weber - A Política Como Vocação

Só um trecho. Extremamente tendencioso da minha parte postar isso, devo dizer. Mas como não ser tendenciosa a esse respeito?


"... a demagogia moderna faz uso do discurso [...] mas faz uso ainda maior da palavra impressa. Por esse motivo é que o publicista político e, muito particularmente, o jornalista são, na atualidade, os mais notáveis representantes da demagogia.

[...] O jornalista participa na atuação de todos os demagogos, tal como [...] o advogado (e o artista). Isso escapa a qualquer classificação social precisa. Pertence a uma espécie de classe de párias que a 'sociedade' sempre julga em função de seus representantes mais indignos sob a ótica da moralidade. Esse é o motivo pelo qual se veiculam as idéias mais estranhas a respeito dos jornalistas e do trabalho que executam. A par disso, a maior parte das pessoas ignora que um 'trabalho' jornalístico realmente bom exige pelo menos tanta 'inteligência' quanto qualquer outro trabalho intelectual e, frequentemente, se esquece tratar-se de tarefa a executar de imediato e sob comando, tarefa à qual impõe-se emprestar pronta eficácia, em condições de criação inteiramente diversas das enfrentadas por outros intelectuais. Muito raramente se considera que a responsabilidade do jornalista é bem maior que a do cientista, não sendo o sentimento de responsabilidade de um jornalista honrado em nada inferior ao de qualquer outro intelectual. [...] Tombou o jornalismo num descrédito explicado pelo fato de havermos guardado na memória abusos de jornalistas carentes de senso de responsabilidade e que exerceram, amiúde, influência deplorável. No entanto, ninguém se inclina a admitir que a discrição do jornalista seja, de modo geral, superior à de outras pessoas. O ponto é inegável. As tentações que se ligam ao exercício dessa profissão são incomparavelmente mais fortes, assim como outras condições que rodeiam a atividade jornalística implicam em certas consequências que habituaram o público a ver o jornal com um misto de desdém e de piedosa covardia. [...]

[...] Sem dúvida nenhuma, a carreira jornalística permanecerá como uma das vias mais importantes de atividade política profissional. [...] Mas a vida do jornalista está entregue, sob todos os pontos de vista, ao puro azar e em condições que o põe à prova de maneira que não encontra paralelo em nenhuma outra profissão."



Fim. :D

sábado, 29 de março de 2008

Grito na madeira

Ficou fascinado com Ródia nos primeiros capítulos, com suas idéias incríveis e sua ação inovadora. Mas o Dostoiévski estragou toda a filosofia, pensava ele. Então fechou o livro antes do fim e foi fazer o que tinha que ser feito, pelos motivos que seu herói justificara.

Quando o relógio marcou duas da madrugada daquela quarta-feira 11, calçou as luvas (lã verde-bosta que a avó trouxera do Sul), pegou a faca na cozinha e saiu de casa, tomando o cuidado de não pisar nas tábuas do piso da sala que rangiam.

Correu o quanto podia. Entrou em um beco escuro e esperou. Sentiu vontade de urinar, como se estivesse brincando de pique-esconde. O coração batia calmamente quando ela se aproximou. Vinha cambaleando, magra, mal se sustentando nas pernas feridas e nos pés calejados. O cabelo queimado e sujo, os lábios rachados. Olhos de zumbi. Tão dopada que nem gritou quando a lâmina a atingiu.

Sangue, muito sangue. Afastou-se dela, despiu-se, lavou as mãos e o rosto com a água da garrafa que levara consigo. Vestiu roupas limpas, colocou as sujas em um saco plástico. Limpou a faca. Queimou o saco plástico em uma lixeira vazia.

Voltou para casa, deitou e dormiu, como se nada tivesse acontecido. Seu coração ainda pulsava calmamente. Teve um sono calmo e sem sonhos.

Acordou e não teve paz.

Não era remorso, nem pena. Nem lembrava do rosto da mulher que matara. Não lembrava dos olhos, do cabelo, do tom da pele, da estrutura física. Ele sentia uma angústia que nada tinha a ver com sua consciência, mas com a consciência alheia: precisava contar para alguém. Não era uma necessidade de se explicar, mas uma vontade de contar o ocorrido. Queria expor seu ato.

Queria expor seu ato mas não podia contar para ninguém! Era um tipo de coisa que não se conta para qualquer um, pois nunca se sabe qual será a reação das pessoas. Isso o deixava tão nervoso, precisava tanto revelar seu segredo, mas como fazê-lo sem escândalo?

Não fumava, mas fumou por acreditar que isso o acalmaria. Não comia, não jogou bola com os colegas de faculdade, não foi almoçar com a família no domingo. Simplesmente não conseguia seguir sua rotina de universitário frustrado. Nada importava a não ser a preocupação em divulgar o assassinato.

E então um dia, na biblioteca da universidade, na área do cemitério, enquanto tentava estudar para a próxima prova (fazia engenharia por insistência dos pais, mas queria mesmo era ser professor de geografia), encontrou a solução. Olhando todos aquelas letrinhas na parede de madeira à sua frente, tolas juras de amor e divulgações religiosas, teve uma idéia.

Pegou o compasso, e com o coração (finalmente) batendo acelerado e com força, escreveu, trêmulo: EU JÁ MATEI ALGUÉM.

Guardou suas coisas e saiu da biblioteca, flutuando. Agora todos saberiam, sem saber quem foi. Nem saberiam se era verdade ou não, mas ali estaria seu desabafo, eternizado, para que todos vissem. Olhou para o céu, azul, o sol se pondo, brilhante e imponente. Acendeu um cigarro e foi para casa.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Nós que aqui estamos, por vós esperamos

Sempre, sempre quis ver esse filme. Desde aquelas aulas da específica de atualidades, o Bueno e o Lustosa despertaram minha atenção especial pra esse filme. Eu imaginava que seria apenas sobre a Primeira Guerra Mundial, mas é muito mais que isso, é um apanhado geral do século passado, e é mais bonito que qualquer Forrest Gump.

Não que Forrest Gump seja ruim. Mas Nós que aqui estamos, por vós esperamos é melhor.

Enfim. Aaaah, o século XX. Me encanta como nenhum outro pedacinho da História consegue. Foi o século das mulheres, do rock, da destruição, das ditaduras, das liberdades... Mas me apaixono por esse século por causa da quantidade de registros em termos de filmagens e fotografias.

O filme é de uma riqueza assustadora de imagens, e se baseia nisso: imagens. Não tem ninguém falando, apenas frases ligando uma coisa a outra. E então você se choca com os horrores das tantas guerras, com as imagens dos ditadores, as sequelas que a guerra deixa (o Lustosa vivia falando do ex-soldado de trincheira cheio de tiques), as mortes e as explorações humanas. A parte que trata de Serra Pelada é de uma sensibilidade impressionante.

Como nem tudo tem que ser horrível, o filme mescla todo o horror do século passado com coisas felizes, ou cômicas. Não tem como não sorrir ao ver quatro milagrosas pernas se intercalando em ação: Mané Garrincha e Fred Astaire (lindo!), ou ao ver jovens soldados estado-unidenses no Vietnã recebendo a notícia de que poderiam ir embora para casa. Além disso, tem o bom humor com que o feminismo é tratado ("Estrangulou o marido e foi ao cinema"), sem perder o respeito pela luta.

E tem mais coisa, mais coisa. É lindo. Adoro essa nova abordagem da História: não apenas estudar os figurões, mas também a população, os anônimos, gente como a gente. O fime trata muito mais dos habitantes do século XX do que dos chamados "grandes homens".

O encerramento é uma gracinha, tem um pouco de Brasil e explica o título filosófico. Minha nota é 9,5. Afinal de contas, abreviar "horas" como "hs" é um pecado mortal.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Gládio

E eu vou, e a luz do gládio erguido dá
Em minha face calma.
Cheio de Deus, não temo o que virá,
Pois venha, o que vier, nunca será
Maior do que a minha alma!

Fernando Pessoa



E assim, de repente, em questão de dias, já não me parece tão impossível a tarefa que escolhi. Ainda sou pouco incapaz, mas isso é questão de tempo, e tempo eu tenho. E graças a esses e mais outros versos, graças à pessoa que os escreveu para mim e a tantas outras, vou levando, vou levando, vou levando.

Talvez esteja sendo precipitada, mas o fato é que a cada segundo que passa, enxergo melhor minha posição nesse mundo e assim, de uma hora pra outra, essa visão se torna nebulosa, mas não mais desconfortável. Agora é calma. Calma e trabalho. Trabalho e esforço. E não necessariamente uma recompensa.

Tudo bem. Como já disse outro Fernando, o Sabino, o futuro a Deus pertence.
Vamo que vamo!

terça-feira, 11 de março de 2008

Primeiro dia.


E foi a primeira vez que, quando eu perguntei para onde o ônibus ia, o motorista respondeu sorrindo.

-Moço, esse ônibus vai pra UnB?






Juro solenemente tentar não escrever muita idiotice.