quarta-feira, 28 de maio de 2008

O corpo e a música

Início de século tem um clima de dúvida. Para onde iremos? O que vai acontecer conosco? Quais serão as novas invenções e tendências? O início do nosso século apresenta um algo a mais, um sabor amargo de estagnação. Além de ter dúvidas, as pessoas tendem a não crer que algo possa melhorar. Nas artes, acredita-se que já se explorou tudo que é possível e agora vêm as obras vazias e repetidas, as músicas compostas em cinco minutos.

Existem no Brasil (e ouso dizer, no mundo) movimentos de busca de novas formas de fazer música. Aproveita-se tudo que os instrumentos musicais podem oferecer: os sons tradicionais e até mesmo mecânicos que podem ser tirados deles. Músicas são inventadas e reinventadas. Tudo com a qualidade e a alegria que só os espíritos jovens têm.

O grupo Barbatuques, de São Paulo, me atrai de forma especial. Percussionistas corporais, fazem música com sons do corpo. Usam desde o mais baixo murmúrio até o mais alto bater de pés, das tradicionais palmas até os surpreendentes vácuos de boca. É um movimento extremamente carnal e irreverente, envolvendo um vasto número de artistas e a platéia de uma forma que poucos conseguem. A empolgação do público é quase palpável, os encostos das cadeiras não são usados, é impossível não querer bater palmas ou aprender a fazer todos os sons divertidos usados. O palco vira uma festa, uma desordem extremamente organizada e planejada.

São sons que saíram do improviso e se tornaram obras únicas. As músicas transportam o público para uma aldeia africana, para o sertão nordestino ou para uma mata brasileira. Carregadas de folclore e tendências tribais, são de tirar o fôlego.

Os artistas do Barbatuques mostram que música instrumental pode ser empolgante e que a música brasileira tem futuro. As melodias novas chamam tanta atenção quanto as antigas. São novas formas de interpretar a música, novas formas de usar o corpo. É o futuro se fazendo presente aos olhos (e ouvidos) atentos.

Across the Universe

À primeira vista, parece tão clichê quanto filme de medievo com o Santo Graal no meio. Anos 60, Guerra do Vietnã, Martin Luther King, passeatas pacifistas, drogas, Nova York, Beatles e adivinhe só – Liverpool. Across the Universe, no entanto, vai além e consegue inovar.


A diretora Julie Taymor, de Frida, usa e abusa de seu tom idílico nesse filme. Consegue fazer seqüências fabulosas com determinadas músicas, como em Because, mas carrega na tinta em outras, como em I Want to Hold Your Hand (mais nonsense e meloso impossível) e em Being For The Benefit of Mr. Kite! (o que essa seqüência tem de bom é só a referência aos Malvados Azuis).


No geral, o uso da obra dos Beatles é bem feito. With a Little Help From My Friends ficou muito divertido e, de certa forma, lembra os vídeos e fotos da primeira fase da banda. Let It Be realiza a proposta de ser cantada por negros de igrejas protestantes dos Estados Unidos, além de ter ficado de arrepiar. She’s So Heavy é uma das melhores: bem executada, engraçada (não tem como não rir do Tio Sam cantando) e mais importante, muito profunda. I’ve Just Seen A Face e Come Together lembram ao espectador a estrutura clássica de um musical sem exagerar.


Além das músicas cantadas, há muitas referências às músicas dos Fab Four, a começar com os nomes dos personagens: Jude, Lucy, Max, Prudence e Dr. Robert. Sadie (que é muito sexy) é uma homenagem a Janis Joplin e Jo-Jo, a Jimi Hendrix. Nas falas também é possível notar flashes de determinadas músicas, como When I’m 64, She Came In Through The Bathroom Window e Maxwell’s Silver Hammer. O filme também nos leva ao Cavern Club no começo e faz uma Rooftop Gig no final: começa e termina como os Beatles.


O trio principal é fantástico: não são típicos hippies dos anos 60, são simplesmente jovens que fugiram de suas realidades insatisfatórias. Vivem em uma comunidade alternativa, mas levam vidas relativamente normais. Existe, no entanto, referência aos hippies, envolvimento dos personagens com drogas, psicodelia, Guerra do Vietnã e as passeatas contra esta.


E sim, você viu Salma Hayek em Happiness Is a Warm Gun. Ela pediu à diretora um bico nesse filme. Você também viu Bono Vox atuando muito bem como Dr. Robert e cantando I Am The Walrus muito mal. Fico pensando onde Julie Taymor estava com a cabeça quando o chamou para cantar uma das melhores músicas dos Beatles.


Com uma direção de arte fantástica (repare a produção dos dois bailes do início do filme), uma fotografia linda, atuações de muita sensibilidade e uma direção adequada, Across The Universe peca pelo roteiro fraco. Não prende completamente a atenção do espectador e trata de se esconder atrás da trilha sonora. É, porém, uma história bacana, digna de ser vista, até mesmo por aqueles que não são tão fãs de Beatles.


Porque os fãs vão querer assistir várias vezes.