segunda-feira, 25 de maio de 2009

Você me machuca.

Você me machuca. Você me machuca e não faz ideia de que o faz, pelo simples fato de que eu jamais vou te dizer isso. Você vai rir na minha cara e me dizer pra deixar de levar tudo tão a sério. Por mim, você não vai mudar. Sei disso porque sei que as pessoas não mudam, jamais, nem mesmo por quem se ama. As pessoas não mudam.

Sabe, já me disseram pra não te levar sempre a sério. Essa mesma pessoa já me disse pra não guardar esse tipo de coisa pra mim, pra não ficar com o rancor amordaçado aqui no peito mas olha, não dá pra te contar isso. Você vai rir na minha cara. Vai fazer sua careta tão fofinha e convincente de sou-super-legal-todo-mundo-me-ama-incondicionalmente-e-eu-sempre-tenho-a-razão-em-tudo. Vai dizer que eu é que sou agressiva, eu que te ataco, vai me perguntar, ai menina porque você é assim? E isso me dói, dói, dói, me dói inteirinha, me rasga os órgãos e me aperta o cérebro e me faz querer gritar com você mas eu finjo de surda e penso que eu ainda te amo, que eu ainda te quero bem e que o que você disse não é nada e que eu é que sou a exagerada da história.


O engraçado é que eu faço isso porque você me pediu. Pediu para não ser assim, não te atacar, não ser agressiva. Nunca percebeu que toda vez que eu te atacava, era na verdade um contra-ataque. Uma defesa. Pois agora você me pediu, e estou sem defesas, sem um escudo cheio de espinhos para me proteger de você. E você continua me machucando, e eu acho que é porque eu não te pedi para não ser assim, ou porque você entendeu que é assim que deve me tratar, ou porque você acha o máximo me tratar assim. Não importa, o fato é que você faz isso.


Me desculpa por dizer isso assim, meu bem-querer, não quero que você nunca descubra que a pessoa deste texto é você, e se você descobrir, espero o seu perdão. Mas olha, você me machuca ao ponto de eu escrever um texto só sobre isso.

Você me machuca demais.


Eu te amo. Me perdoa?

sábado, 16 de maio de 2009

Caio e Zézim

Me pediram para escolher um texto para salvar caso o mundo acabe no próximo minuto e eu só possa salvar um. Pesarosa de ter que jogar fora tanta riqueza que existe pelo mundo, escolhi esta carta de Caio Fernando Abreu a seu amigo Zézim, sobre o desafio que é escrever. Para que assim, quem for escrever alguma coisa depois do fim do mundo, já vai avisado de como são as coisas.


Porto, 22 de dezembro de 1979

Zézim,


cheguei hoje de tardezinha da praia, fiquei lá uns cinco dias, completamente só (ótimo!), e encontrei tua carta. Esses dias que tô aqui, dez, e já parece um mês, não paro de pensar em você. Tou preocupado, Zézim, e quero te falar disso. Fica quieto e ouve, ou lê, você deve estar cheio de vibrações adeliopradianas e, portanto, todo atento aos pequenos mistérios. É carta longa, vai te preparando, porque eu já me preparei por aqui com uma xícara de chá Mu, almofada sob a bunda e um maço de Galaxy, a decisão pseudointeligente.


Seguinte, das poucas linhas da tua carta, 12 frases terminam com ponto de interrogação. São, portanto, perguntas. Respondo a algumas. A solução, concordo, não está na temperança. Nunca esteve nem vai estar. Sempre achei que os dois tipos mais fascinantes de pessoas são as putas e os santos, e ambos são inteiramente destemperados, certo? Não há que abster-se: há que comer desse banquete. Zézim, ninguém te ensinará os caminhos. Ninguém me ensinará os caminhos. Ninguém nunca me ensinou caminho nenhum, nem a você, suspeito. Avanço às cegas. Não há caminhos a serem ensinados, nem aprendidos. Na verdade, não há caminhos. E lembrei duns versos dum poeta peruano (será Vaflejo? não estou certo): “caminante, no hay camino, se hace camino al andar”.


Mais: já pensei, sim, se Deus pifar. E pifará, pifará porque você diz “Deus é minha última esperança”. Zézim, eu te quero tanto, não me ache insuportavelmente pretensioso dizendo essas coisas, mas ocê parece cabeça-dura demais. Zézim, não há última esperança, a não ser a morte. Quem procura não acha. É preciso estar distraído e não esperando absolutamente nada. Não há nada a ser esperado. Nem desesperado. Tudo é maya / ilusão. Ou samsara / círculo vicioso.


Certo, eu li demais zen-budismo, eu fiz ioga demais, eu tenho essa coisa de ficar mexendo com a magia, eu li demais Krishnamurti, sabia? E também Allan Watts, e D. T. Suzuki, e isso freqüentemente parece um pouco ridículo às pessoas. Mas, dessas coisas, acho que tirei pra meu gasto pessoal pelo menos uma certa tranqüilidade.


Você me pergunta: que que eu faço? Não faça, eu digo. Não faça nada, fazendo tudo, acordando todo dia, passando café, arrumando a cama, dando uma volta na quadra, ouvindo um som, alimentando a Pobre. Você tá ansioso e isso é muito pouco religioso. Pasme: acho que você é muito pouco religioso. Mesmo. Você deixou de queimar fumo e foi procurar Deus. Que é isso? Tá substituindo a maconha por Jesusinho? Zézim, vou te falar um lugar-comum desprezível, agora, lá vai: você não vai encontrar caminho nenhum fora de você. E você sabe disso. O caminho é in, não off. Você não vai encontrá-lo em Deus nem na maconha, nem mudando para Nova York, nem.


Você quer escrever. Certo, mas você quer escrever? Ou todo mundo te cobra e você acha que tem que escrever? Sei que não é simplório assim, e tem mil coisas outras envolvidas nisso. Mas de repente você pode estar confuso porque fica todo mundo te cobrando, como é que é, e a sua obra? Cadê o romance, quedê a novela, quedê a peça teatral? DANEM-SE, demônios. Zézim, você só tem que escrever se isso vier de dentro pra fora, caso contrário não vai prestar, eu tenho certeza, você poderá enganar a alguns, mas não enganaria a si e, portanto, não preencheria esse oco. Não tem demônio nenhum se interpondo entre você e a máquina. O que tem é uma questão de honestidade básica. Essa perguntinha: você quer mesmo escrever? Isolando as cobranças, você continua querendo? Então vai, remexe fundo, como diz um poeta gaúcho, Gabriel de Britto Velho, “apaga o cigarro no peito! diz pra ti o que não gostas de ouvir! diz tudo”. Isso é escrever. Tira sangue com as unhas. E não importa a forma, não importa a “função social”, nem nada, não importa que, a princípio, seja apenas uma espécie de auto-exorcismo. Mas tem que sangrar a-bun-dan-te-men-te. Você não está com medo dessa entrega? Porque dói, dói, dói. É de uma solidão assustadora. A única recompensa é aquilo que Laing diz que é a única coisa que pode nos salvar da loucura, do suicídio, da auto-anulação: um sentimento de glória interior. Essa expressão é fundamental na minha vida.

Eu conheci razoavelmente bem Clarice Lispector. Ela era infelicíssima, Zézim. A primeira vez que conversamos eu chorei depois a noite inteira, porque ela inteirinha me doía, porque parecia se doer também, de tanta compreensão sangrada de tudo. Te falo nela porque Clarice, pra mim, é o que mais conheço de GRANDIOSO, literariamente falando. E morreu sozinha, sacaneada, desamada, incompreendida, com fama de “meio doida”. Porque se entregou completamente ao seu trabalho de criar. Mergulhou na sua própria trip e foi inventando caminhos, na maior solidão. Como Joyce. Como Kaflka, louco e só lá em Praga. Como Van Gogh. Como Artaud. Ou Rimbaud.

É esse tipo de criador que você quer ser? Então entregue-se e pague o preço do pato. Que, freqüentemente, é muito caro. Ou você quer fazer uma coisa bem-feitinha pra ser lançada com salgadinhos e uísque suspeito numa tarde amena na Cultura, com todo mundo conhecido fazendo a maior festa? Eu acho que não. Eu conheci/conheço muita gente assim. E não dou um tostão por eles todos. A você eu amo. Raramente me engano.


Zézim, remexa na memória, na infância, nos sonhos, nas tesões, nos fracassos, nas mágoas, nos delírios mais alucinados, nas esperanças mais descabidas, na fantasia mais desgalopada, nas vontades mais homicidas, no mais aparentemente inconfessável, nas culpas mais terríveis, nos lirismos mais idiotas, na confusão mais generalizada, no fundo do poço sem fundo do inconsciente: é lá que está o seu texto. Sobretudo, não se angustie procurando-o: ele vem até você, quando você e ele estiverem prontos. Cada um tem seus processos, você precisa entender os seus. De repente, isso que parece ser uma dificuldade enorme pode estar sendo simplesmente o processo de gestação do sub ou do inconsciente.


E ler, ler é alimento de quem escreve. Várias vezes você me disse que não conseguia mais ler. Que não gostava mais de ler. Se não gostar de ler, como vai gostar de escrever? Ou escreva então para destruir o texto, mas alimente-se. Fartamente. Depois vomite. Pra mim, e isso pode ser muito pessoal, escrever é enfiar um dedo na garganta. Depois, claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma. Pode sair até uma flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta. E eu acho — e posso estar enganado — que é isso que você não tá conseguindo fazer. Como é que é? Vai ficar com essa náusea seca a vida toda? E não fique esperando que alguém faça isso por você. Ocê sabe, na hora do porte brabo, não há nenhum dedo alheio disposto a entrar na garganta da gente.


Ou então vá fazer análise. Falo sério. Ou natação. Ou dança moderna. Ou macrobiótica radical. Qualquer coisa que te cuide da cabeça ou/e do corpo e, ao mesmo tempo, te distraia dessa obsessão. Até que ela se resolva, no braço ou por si mesma, não importa. Só não quero te ver assim engasgado, meu amigo querido.


(...)


Let me take you down

cause I’m going to strawberryfields
nothing is real, and nothing to get hung about
strawberry fields forever
strawberry fields forever
strawberry fields forever

Isso é o que te desejo na nova década. Zézim, vamos lá. Sem últimas esperanças. Temos esperanças novinhas em folha, todos os dias. E nenhuma, fora de viver cada vez mais plenamente, mais confortáveis dentro do que a gente, sem culpa, é. Let me take you: I’m going to strawberry fields.


Me conta da Adélia.


E te cuida, por favor, te cuida bem. Qualquer poço mais escuro, disque 0512-33-41-97. Eu posso pelo menos ouvir. Não leve a mal alguma dureza dita. É porque te quero claro. Citando Guilherme Arantes, pra terminar: “Eu quero te ver com saúde/sempre de bom humor/e de boa vontade”.


Um beijo do


Caio



quinta-feira, 14 de maio de 2009

Keith e as baratas

Os maias erraram. O mundo não acabou em 2012. Quem acertou foi um desconhecido pajé brasileiro, que previu o fim do mundo que conhecemos para que um bruxo ressuscitasse e governasse seus fiéis súditos. Mas ninguém nunca deu atenção às profecias dos índios brasileiros porque eles jamais ligaram para essa onda de construir cidades como os maias, astecas e incas. Aí nunca despertaram fascínio internacional, ninguém nunca quis saber o que o pajé maluco falou e o mundo acabou sem ninguém se preparar para isso.

Mas a nossa história começa três milhões de anos antes disso. Começa no ano 2020, quando um nerd viciado em Star Wars desenvolveu finalmente o congelamento em carbonita. Aquele que o Darth Vader apronta com o Han Solo no Episódio V. Aí virou moda, teve muita perua pagando caro para manter o corpinho milimetricamente recauchutado durante os anos. Vários nerds trabalharam duro e desenvolveram sistemas operacionais geniais para descolar um troco e ir fazer parte da odisséia de Han Solo. Caro, muito caro.

Só que para Keith Richards, desde 1964, dinheiro nunca foi problema. Contando 76 anos completos e um corpinho sem idade definida, caprichosamente esculpido em quase seis décadas de estrada, ele resolveu entrar nessa onda de carbonitamento de congelada. Queria, ele dizia, manter uma viagem por três milhões de anos. O tempo máximo de permanência nas cápsulas de carbonita do jovem nerd.

Keith sabia que ficaria em uma viagem maravilhosa por três milhões de anos. Sabia que acordaria feliz depois de tanto tempo nessa onda. O que ele não sabia é que quando ele abrisse a cápsula, serelepe e pronto para outra, ele encontraria o mundo sem vida. O pajé acertara e o mundo vivo acabara em 3002020, segundos antes de Keith abrir sua cápsula.

Não que as cápsulas fossem proteger as pessoas ou qualquer outro ser vivo da explosão. O Keith que era imune a ela. Tendo passado por tanta coisa nessa vida, um estouro nuclear era fichinha.

Muito sozinho e com uma larica danada, Keith começou a andar pela cidade a procura de um supermercado. Achou um prédio enorme e bem suprido e ficou contente. Teria comida pelo resto da vida. E é óbvio que prazo de validade e intoxicação alimentar não seriam coisas que o afetariam.

Comendo gulosamente um pacote família de Doritos, Keith viu uma manchinha no chão alvo do supermercado. Uma barata. Tão sozinha, pobrezinha, mais perdida ali que barata tonta. A piadinha sádica não foi intencional, a coitadinha estava realmente aflita. Keith era um cara legal e deixou ali uma mão cheia de Doritos para a nova amiguinha.

Ela saiu correndo. Que pena, não quer papo. Ela parecia ser interessante, pensou Keith. Nosso herói mal sabia o que estava por vir: uma legião de baratas, famintas com seus olhinhos tristes e carentes. Era demais para ele. Saiu correndo pelo supermercado abrindo os pacotes família de Doritos, Ruffles, Cebolitos e todos os outros salgadinhos que ali marcavam presença.

E nesse glorioso dia, o dia do fim do mundo, três milhões de anos depois de seu tempo, Keith Richards foi proclamado o Rei das Baratas. E, como todos vocês já puderam concluir, o Rei do Mundo. Sem perspectiva de sucessão, é bom avisar.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Depois daquele sétimo mês

As meninas pequenas brincavam ao seu redor. Cinco, quatro e dois anos. Apenas a mais velha era loira e tinha permissão de usar cabelos compridos. As duas moreninhas tinham cabelo de menino. A do meio não gostava nem um pouco disso.

Ela tinha ainda um barrigão à espera. Seria o último bebê, e se fosse menino, ganharia o nome do pai. Largara o emprego de professora para cuidar de suas crias. Era uma mãe severa, mas muito amorosa. O marido era um homem extremamente sério, mas era o pai mais atencioso que aqueles três anjinhos jamais poderiam ter. Um pai preocupado em criá-las para se tornarem grandes mulheres, grandes pensadoras, grandes profissionais.

Acordou naquele primeiro de abril cinzento sem acreditar na mentirinha que lhe contaram: o presidente caiu, os militares estão no poder. Os caças sobrevoando o céu da capital goiana a fizeram acreditar. Temeu pela família. O marido estava indignado e apreensivo, e quatro dias depois daquilo, ele não chegou em casa.

Não dormiu naquela noite. Sabia o que tinha acontecido. só não podia acreditar, mas sabia. Olhava aflita com os olhos verdes cansados para as meninas dormindo em paz e começava a fazer planos para o pior. Só conseguia se desesperar mais e mais.

Na manhã seguinte, recebeu uma visita do cunhado. Olha, Maria, se eles levarem o Marcello pro Rio ele não volta.

Ele não volta.

Ele não volta, eu vou ter esse bebê sozinha e as crianças não vão ter pai.

Ele não volta porque o pior vai acontecer.

Assim ela foi passando um, dois, três, quatro dias, uma semana, duas, três, um mês aflita com poucas e porcas notícias do marido, tendo pesadelos apavorantes dele sendo maltratado, judiado, ensacado e jogado no mar.

Mas Maria é uma mulher de sorte e, ao fim do sétimo mês da sua gravidez, o martírio que durou o resto da vida para tantas outras mulheres acabava. Seu homem voltava para casa e lhe assoprava os buracos do coração.

Depois daquele sétimo mês, Maria se sentava no banquinho branco do quintal para observar suas filhas brincando e rogava a Deus por um lugar onde eles tivessem paz.

Passaram-se dez anos desde aquele sétimo mês, quando finalmente eles conseguiram se mudar para Brasília e ter um pouco de sossego. Ele e as crianças. Ela jamais se recuperou completamente daquilo. Mas conseguiu, sim, ficar em paz.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Nossos olhos

Antônio Campoli era um italiano bravo. Mas é que era o costume, o jeito da época. Viera para o Brasil aos seis anos de idade, para trabalhar na lavoura, e só aprendera o português por aqui. Era um homem forte, trabalhador. Tinha olhos fundos e cansados, olhos sonolentos mesmo quando desperto, claros mas com olheiras, aqueles olhos que mais tarde seriam classificados como olhos de ressaca do mar. Involuntariamente rancorosos. Olhos de Campoli, jamais falharam.

Antônio era casado com Rosa, italiana também, mãe sóbria e responsável de treze filhos. Comandava a cozinha como toda boa italiana: fazendo uma bagunça danada e ai de quem se metesse. Os treze Campoli trabalhavam na roça de café com o pai, os olhos de Campoli e a tez europeia judiados pelo sol brasileiro que banhava a fazenda em São José do Rio Preto. A educação escolar era garantida pelas vizinhas faladeiras que iam dar aula aos treze Campoli em casa. A manutenção da tradição italiana ia além do cardápio, ao contrário do que a maioria pensa. Antônio Campoli fazia todas as refeições sozinho na sala de jantar, enquanto os treze filhos e a esposa comiam na cozinha. Almoçar juntos, só no domingo, depois da missa. Que nem na Itália.

E ali, em meados dos anos trinta, naquela tão interiorana e paulista cidadezinha cafeeira, descobriu-se que João, o Campoli número nove, tinha alergia a lactose. Nada de leite para o menino. No máximo um naco de chocolate ao dia. Naquele tempo, chocolate era algo caro e amargo, e ainda assim todo mundo queria comer. Antônio Campoli mantinha sempre uma barra enrolada em papel metálico na gaveta do seu criado mudo. Depois do almoço, chamava João e dava a ele um pedacinho e dizia para comer bem devagar. Ignorava os olhinhos de Campoli marejados de inveja dos próximos em idade ao pequeno alérgico. Era pouco chocolate para tanta criança e tamanha alergia.

O fato é que João Campoli cresceu e ficou forte. Achou por ali no interior de São Paulo uma moreninha bonita e tratou de desposá-la logo. Dona Cinha teve um filho e duas filhas, todos eles bem Campoli. Viveram os cinco em uma cidadezinha do interior, gerenciando um armazém da forma mais honesta possível, como Antônio e Rosa ensinaram a João.

Paulo, o filho mais velho do casal, quando estava para terminar o ensino médio, pediu para ir estudar fora. Medicina, pai. Deixa eu estudar até o tempo que eu ficaria no exército. Então vai, menino, e vê se passa logo nesse vestibular. Não precisou de um ano: já no meio do cursinho passou na Universidade de Brasília e para lá foi correndo.

Campoli e esquisito como sempre fora, Paulo resolveu estudar Cálculo e tirou o único dez da sala. Foi tirar satisfação com ele uma irada estudante de Engenharia Elétrica, uma moreninha de nariz arrebitado chamada Márcia. Onde é que já se viu um menino da medicina tirar dez em Cálculo? Alguns anos depois, em seu aniversário de 24 anos, a alguns metros de seu bolo com 24 veadinhos de plástico, ele fez seus olhos de Campoli ficarem ternos e pediu a moça em namoro. Mais três anos e estavam os dois casados.

Três anos depois do casório, nascia sem conhecer os bisavós a primeira neta dos Campoli e mais um par dos já familiares olhos de ressaca italiana.