domingo, 9 de agosto de 2009

As moscas

Aprendi algumas coisas no ensino médio. A mais relevante delas foi que quase nada daquilo me serviria um dia. Mas ainda assim, sei até hoje que um triângulo pitagórico é três quatro e cinco, que F é flúor e não fósforo, que canção de maldizer é mais malvada que a canção de escárnio, que força centrífuga é uma maluquice que não existe pra você vestibulando, que na Revolução Francesa a média de guilhotinadas foi de 126 por dia. Sei também que as moscas têm inúmeros olhos.


Inúmeros, inúmeros. Tantos que cansei de contar. Uns olhos que amam muito, mas que muito antes disso, que vigiam constantemente. Cada olho de cada mosca vigia cada gesto seu. Cada olhar, cada reação, cada comentário, cada tom de voz. Analisam suas risadas e expressões. E não analisam para chegar a alguma conclusão, mas apenas para comprovar uma tese. Se você não ri de uma piada de sexo, por exemplo, você é um hipócrita fingido. Se você cai na gargalhada, você merece queimar no inferno, devasso sem vergonha.

As moscas não se contentam em vigiar cada centímetro seu, nem em criar uma teoria mirabolante que só existe na cabeça delas - e o mais incrível é que as teses geralmente coincidem entre si -, mas ficam zumbindo aquele zumbido interminável de mosca no seu ouvido, eu vou contar, eu vou contar, eu vou contar; ela já sabe; eu vou contar mesmo assim; mas ela já sabe; ela vai saber por mim. Se as moscas soubessem do mal que fazem a ela, será que se contentariam em zumbir apenas entre si?

Posso estar enganada, mas não. Essa família de moscas tem a característica de ter um meio coração, um coração que funciona aqui e ali, que funciona quase sempre que precisa, mas que por algum motivo ainda desconhecido à ciência, falha em se tratando de olhar um grande amor. Um grande amor que não seja o seu, veja bem. Tudo bem você querer se apaixonar por uma profissão (mas só se for a delas), por um livro (mas só se for o delas), por uma foto (mas só se for a delas), por um quadro (mas só se for o delas), por um gosto musical (mas só se for o delas), enfim. Só pode se apaixonar por algo se seus olhinhos sem fim concordarem.

Do amor, as moscas só entendem do seu. E do da mocinha da novela, que é fácil fácil de entender.