segunda-feira, 6 de junho de 2011

Funeral


Pegou a mãozinha sem vida, pálida, ensanguentada. Lembrou dos dedinhos finos e brancos, de gente loira, de como achava engraçado o jeito que ela coçava o nariz ou como não conseguia atravessar a rua sem dar as mãos.

Eram três da manhã quando o telefone tocou. Joana mal conseguia falar. Disse que Alice tinha sido encontrada com treze facadas, na quadra de futebol do prédio onde morava. Sempre teve pressão baixa, jamais conseguiria chegar ao hospital com vida. Foi parar no IML, e era para lá que Joana e Elisa estavam indo. Susana já havia embarcado no avião, chegaria em algumas horas. Os pais de Alice também estavam a caminho.

O dia amanheceu quando Joana chegou em Brasília. Estacionou o carro e pediu para Elisa dirigir, porque não conseguiria depois dos duzentos quilômetros que percorrera em uma desesperada hora e meia. Os olhos mais vermelhos que os cabelos, não acreditando no que estava prestes a ver.

Entraram. Elisa olhou para Joana e ficou se perguntando se ela já não tinha entrado em um lugar como aquele na faculdade de medicina. O chão imundo, barulho de moscas, sangue e cheiro de gente morta misturada. A luz vinha da porta por onde entraram e das janelas, a mais de dez metros de altura.

Os corpos estavam ali, ensacados como os iguais que somos todos na morte. Joana chorava quietinha, abraçada em Elisa, que parecia não entender direito que aquilo estava acontecendo. Entre os iguais, a mãozinha esquerda pendurada de lado denunciou onde a amiga estava. Olhou fixo, esperando o legista indicar o corpo.

Aproximaram-se. O plástico ainda tinha sangue, a mão estava machucada. O esmalte da mesma cor se confundia com o restante. Alice gostava muito de pintar as unhas bem compridas de vermelho, que acabavam quebrando de tão fininhas que eram.

Joana escondeu os olhos com a mão direita. Elisa, como a gente vai olhar no rosto da Susana, quando ela chegar? E falar com os pais da Alice? Como vai ser daqui pra frente?

Elisa pegou Joana pela mão e saiu de lá. Fechou a porta. Ficou segurando a mão da amiga, olhando para o chão.

Joana. A Alice morreu sabendo que os pais a amavam, que você a amava, que a Susana era a melhor amiga dela. Me diz, Joana. Me diz como é que eu vou contar pra ela que mesmo depois daquela briga horrível, mesmo depois de tanto tempo sem nos falarmos, eu ainda a conto como grande amiga? Como eu vou dizer pra Alice, eu te amo apesar de tudo?

Recebeu o olhar tristonho de Joana para, enfim, as lágrimas quentes chegarem.