segunda-feira, 11 de maio de 2009

Depois daquele sétimo mês

As meninas pequenas brincavam ao seu redor. Cinco, quatro e dois anos. Apenas a mais velha era loira e tinha permissão de usar cabelos compridos. As duas moreninhas tinham cabelo de menino. A do meio não gostava nem um pouco disso.

Ela tinha ainda um barrigão à espera. Seria o último bebê, e se fosse menino, ganharia o nome do pai. Largara o emprego de professora para cuidar de suas crias. Era uma mãe severa, mas muito amorosa. O marido era um homem extremamente sério, mas era o pai mais atencioso que aqueles três anjinhos jamais poderiam ter. Um pai preocupado em criá-las para se tornarem grandes mulheres, grandes pensadoras, grandes profissionais.

Acordou naquele primeiro de abril cinzento sem acreditar na mentirinha que lhe contaram: o presidente caiu, os militares estão no poder. Os caças sobrevoando o céu da capital goiana a fizeram acreditar. Temeu pela família. O marido estava indignado e apreensivo, e quatro dias depois daquilo, ele não chegou em casa.

Não dormiu naquela noite. Sabia o que tinha acontecido. só não podia acreditar, mas sabia. Olhava aflita com os olhos verdes cansados para as meninas dormindo em paz e começava a fazer planos para o pior. Só conseguia se desesperar mais e mais.

Na manhã seguinte, recebeu uma visita do cunhado. Olha, Maria, se eles levarem o Marcello pro Rio ele não volta.

Ele não volta.

Ele não volta, eu vou ter esse bebê sozinha e as crianças não vão ter pai.

Ele não volta porque o pior vai acontecer.

Assim ela foi passando um, dois, três, quatro dias, uma semana, duas, três, um mês aflita com poucas e porcas notícias do marido, tendo pesadelos apavorantes dele sendo maltratado, judiado, ensacado e jogado no mar.

Mas Maria é uma mulher de sorte e, ao fim do sétimo mês da sua gravidez, o martírio que durou o resto da vida para tantas outras mulheres acabava. Seu homem voltava para casa e lhe assoprava os buracos do coração.

Depois daquele sétimo mês, Maria se sentava no banquinho branco do quintal para observar suas filhas brincando e rogava a Deus por um lugar onde eles tivessem paz.

Passaram-se dez anos desde aquele sétimo mês, quando finalmente eles conseguiram se mudar para Brasília e ter um pouco de sossego. Ele e as crianças. Ela jamais se recuperou completamente daquilo. Mas conseguiu, sim, ficar em paz.

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