
Antônio era casado com Rosa, italiana também, mãe sóbria e responsável de treze filhos. Comandava a cozinha como toda boa italiana: fazendo uma bagunça danada e ai de quem se metesse. Os treze Campoli trabalhavam na roça de café com o pai, os olhos de Campoli e a tez europeia judiados pelo sol brasileiro que banhava a fazenda em São José do Rio Preto. A educação escolar era garantida pelas vizinhas faladeiras que iam dar aula aos treze Campoli em casa. A manutenção da tradição italiana ia além do cardápio, ao contrário do que a maioria pensa. Antônio Campoli fazia todas as refeições sozinho na sala de jantar, enquanto os treze filhos e a esposa comiam na cozinha. Almoçar juntos, só no domingo, depois da missa. Que nem na Itália.
E ali, em meados dos anos trinta, naquela tão interiorana e paulista cidadezinha cafeeira, descobriu-se que João, o Campoli número nove, tinha alergia a lactose. Nada de leite para o menino. No máximo um naco de chocolate ao dia. Naquele tempo, chocolate era algo caro e amargo, e ainda assim todo mundo queria comer. Antônio Campoli mantinha sempre uma barra enrolada em papel metálico na gaveta do seu criado mudo. Depois do almoço, chamava João e dava a ele um pedacinho e dizia para comer bem devagar. Ignorava os olhinhos de Campoli marejados de inveja dos próximos em idade ao pequeno alérgico. Era pouco chocolate para tanta criança e tamanha alergia.
O fato é que João Campoli cresceu e ficou forte. Achou por ali no interior de São Paulo uma moreninha bonita e tratou de desposá-la logo. Dona Cinha teve um filho e duas filhas, todos eles bem Campoli. Viveram os cinco em uma cidadezinha do interior, gerenciando um armazém da forma mais honesta possível, como Antônio e Rosa ensinaram a João.
Paulo, o filho mais velho do casal, quando estava para terminar o ensino médio, pediu para ir estudar fora. Medicina, pai. Deixa eu estudar até o tempo que eu ficaria no exército. Então vai, menino, e vê se passa logo nesse vestibular. Não precisou de um ano: já no meio do cursinho passou na Universidade de Brasília e para lá foi correndo.
Campoli e esquisito como sempre fora, Paulo resolveu estudar Cálculo e tirou o único dez da sala. Foi tirar satisfação com ele uma irada estudante de Engenharia Elétrica, uma moreninha de nariz arrebitado chamada Márcia. Onde é que já se viu um menino da medicina tirar dez em Cálculo? Alguns anos depois, em seu aniversário de 24 anos, a alguns metros de seu bolo com 24 veadinhos de plástico, ele fez seus olhos de Campoli ficarem ternos e pediu a moça em namoro. Mais três anos e estavam os dois casados.
Três anos depois do casório, nascia sem conhecer os bisavós a primeira neta dos Campoli e mais um par dos já familiares olhos de ressaca italiana.
2 comentários:
lindo!
Filha, muito embora este texto esteja falho em alguns detalhes da história, fiquei muito emocionada. Achei lindo e muito poético.
Parabéns.
Márcia
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