quarta-feira, 29 de abril de 2009

Aterrissagem

Naquele dia, ela se permitira sonhar com ele. Sonhou do dia que ele voltaria da reserva e imediatamente pediria sua mão em casamento. E ela, com um sorriso que não lhe caberia no rosto, diria que sim, sim, sim! Assim que eu fizer dezoito e que papai deixar. Então os dois se mudariam para a capital, e ela teria três lindos pimpolhos que eram a cara dele. Ali, ele arrumaria um emprego que lhe tomaria o dia todo, mas ainda assim ele teria tempo e energia para brincar com os filhos de noite e olharia ternamente para ela por cima da macarronada do jantar. Assim que as crianças dormissem, eles fariam o amor tão terno sempre que tivessem fôlego. Sonhou que envelheceriam enrugados e bonitinhos, e iriam juntinhos fazer compras no supermercado. Sonhou também que alguns meses depois que ele morresse dormindo, ela morreria de tristeza. E seriam enterrados juntos e quando ela chegasse à tumba, ele abriria os braços para guardá-la, tal como Abelardo e Heloísa.

Naquele dia, ele chegou lindo e fardado à porta da mercearia do pai dela, pediu o privilégio de falar a sós com a moça e recebeu a permissão. Ela não cabia em si de felicidade, sorrindo as sardas tímidas e os dentinhos tortos. Não havia homem mais bonito no mundo que aquele que o caminhão do exército acabara de arremessar à sua porta. Seria sim, ele, seu grande amor, a tampa da sua panela, o homem sóbrio ao seu lado na foto do casamento.

Naquele dia, ele disse que nosso amor é tão bom mas o horário nunca combina. Disse também que tinha sido bastante bom namorar com ela mas ele tinha que ganhar o mundo e provar seu valor para aquela cidade ingrata. Toma aqui a mecha ruiva do teu cabelo, guarda pra quem te queira.

Naquele dia, ele foi embora e, mesmo tendo avisado, ela era uma louca a perguntar o que é que a vida vai fazer de mim.

Um comentário:

Luiza Queirós disse...

que coisa gostosa e linda de ler.