quarta-feira, 1 de abril de 2009

Leona

Naquele mundo selvagem onde vivia, ela era a fêmea mais temida. As criaturas menores e mais frágeis se escondiam apavoradas ao som de seus passos leves e ameaçadores. Até mesmo suas semelhantes a respeitavam, vinham lhe pedir conselhos e ensinavam suas crias a se espelharem nela.

De todos os machos do lugar, apenas dois conseguiram se aproximar o suficiente para dar a ela filhotes: tinha um de cada. Ao contrário das outras fêmeas, não permitia que os machos chegassem perto e muito menos que pegassem sua caça. Fuzilava-os com o olhos e se algum desavisado se atrevesse a dar um passo em sua direção enquanto comia e alimentava suas crias, ela rugia ferozmente e o espantava.

Seu pêlo era todo desgrenhado, sua cara suja dos restos da comida, suas patas imundas do chão. Tinha um corpo muito magro, mas muito forte: eram tempos difíceis. Seus dentes não eram brancos ou bonitos, mas eram os mais afiados e assustadores da região. Porém, o que mais assustava nela eram os olhos, rasos e vazios, escuros e dilatados, sem passado, sem história, sem dor ou paixão. Refletiam sua essência sem mostrar a alma, se é que ela possuía algo assim.

Gozava de inteira liberdade em seu território. Ninguém a incomodava, nem ficava em seu caminho, ela era perfeitamente livre para fazer o que bem entendia. Chegou um dia, porém, que tudo isso lhe foi arrebatado de uma só vez e tão depressa que ela nem teve tempo para raciocinar. Um macho novo no local se aproximou enquanto ela comia, ignorou seu olhar feroz e seu rugido gutural, e simplesmente roubou seu alimento.


Sem hesitar, ela pulou em seu pescoço e tirou sua vida num instante. Quando ia voltar para sua refeição, um bando de homens a cercou, espancou e prendeu, e quando ela deu por si, estava presa numa cela.


E ali foi ficando. Deram-lhe um banho. Deram-lhe comida. Logo todo pêlo do seu corpo estava lustroso e seus ossos se recobriam de carne. Mas mesmo saudável, ela ia definhando. Sem poder rugir, perdeu a voz. Sem ninguém por perto, perdeu o porte. Sem se exercitar, seu sangue se tornou veneno em suas veias. Com duas semanas de cárcere, Leona morreu de tristeza.

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