quinta-feira, 23 de abril de 2009

Trem-fantasma

Ela calçava meu all star cor-de-rosa com as mãos morenas enquanto Heitor aprontava sem barulho atrás dela. Liege entrou na sala, emburrada porque teria que esperar pelos chocolates da Turma da Mônica até depois do almoço. A minha querida então terminou de me calçar e correu desesperada até o meu irmão, que misteriosamente havia conseguido parar em cima do armário. E então ele, querido até o último fio de cabelo castanho, entrou com os olhos verdes de tão ternos e perguntou quem é que ia ao Mutirama.

Eu! Eu! Eu! Eu! Eu mal conseguia acreditar naquele lugar, fiquei parada olhando para tantas naves espaciais e foguetes coloridos e mais pra frente tinha uma trilha de carrinhos e ali do outro lado também tinha um carrinho bate-bate e duas – eu disse duas – rodas gigantes e olha só o tamanho daquele tobogã todo colorido de azul amarelo vermelho eu quero ir na barca pirata!

Esperando, esperando, esperando esse trem, esse tal de ingresso, nós três corríamos em círculos e apontávamos para todos os lados. Liege parecia prestes a sair correndo para o tobogã a qualquer minuto e Heitor olhava curiosíssimo para uma lixeira em formato de arara. Eu queria ir naquele ali que girava as pessoas para o alto. Por fim o querido apareceu com os ingressos e os cinco grandes tiveram que nos segurar para que não saíssemos correndo em todas as direções.

Nós queríamos engolir todas as cores do Mutirama. Os grandes tiveram que escolher para nós o que fazer primeiro, porque estávamos os três muito encantados com todos os brinquedos. A minha querida quis ir primeiro na xícara maluca, que tremia igual o fusca vermelho do querido e fazia um barulhão mais alto que o da batedeira da vovó. Depois a Liege inventou de ir na barca pirata, e o coitadinho do Heitor ficou verde de medo, enquanto ela se divertia balançando os bracinhos brancos para o alto. O querido resolveu que ia todo mundo para o carrinho bate-bate, e eu, é claro, arranjei briga com um dos meninos que estavam brincando.

Tudo era lindo e colorido, os cavalos do carrossel eram de verdade e o voo do foguete chegava ao sol lá no céu tão azul e voltava em segundos. Eu vi o mundo todo do alto da roda gigante prateada e desci o tobogã cinco vezes, todas elas num dos escorregadores vermelhos. Heitor só conseguiu ir sozinho quando a querida e a outra grande viraram de costas para ele. Eu me divertia tanto, mal esperava o que estava por vir.

Mas nem pensar, justo esse, Paulo, Qual o problema, Tio Paulo eu que não vou nesse aí porque se não eu não durmo de noite, Olha o Heitor também não vai ele é muito medroso, Tá me dá aqui a menina.

O querido pegou a minha mãozinha com sua mão enorme e forte e me levou em direção a um lugar diferente, que não parecia com uma aventura espacial. Não vou sentir um ventinho gostoso no rosto como eu senti no tobogã, pensei, olhando para o lugar fechado, escuro e sem cor para onde ele me levava. Os monstros desenhados nos carrinhos não pareciam monstros de outra galáxia. Não vi crianças da minha idade na fila, mas como o querido queria me levar, não falei nada, apenas perguntei que era aquilo. Em resposta, ele deu um sorriso daquela cor que só ele tinha e disse, chouriço procê levar pro teu serviço.

O carrinho começou a andar, tremendo como a xícara maluca, mas devagar como eu nunca tinha visto antes, fantasmagoricamente. Ao contrário do que eu pensei, havia sim um ventinho frio soprando nas minhas bochechas e afastando minha franjinha loira do rosto. As luzes verdes e vermelhas brilhavam, iluminando muito mal uns monstros que pareciam ter saído da Caverna do Dragão. Feios, muito feios, de assustar. Vi uma aranha no teto e logo depois senti uma cosquinha nas costas: será que ela havia pulado em mim? A aranha subiu em mim, papai, eu disse a ele, rindo, verde das luzes.

Foi aí que eu vi que tudo ali dentro se mexia: as teias de aranha feitas de fumaça branca, as paredes escuras de tijolos podres (seriam de mentira?), e os monstros. Eram tão grandes! Tinha um do tamanho do querido, mas todo peludo e com uma cara de macaco misturada com morcego, com uns dentes amarelos e gigantescos e pontudos, e o vento foi ficando mais frio e esbranquiçado, os sons do lugar cada vez mais secos e da cor do medo, fui arregalando os olhos, e eu quase morri quando o querido disse, fazendo cosquinha na minha barriga, buuuuu!

Quase morri. Quase morri de tanto gargalhar minha gargalhada multicor.

Um comentário:

Gabriel Cunha disse...

já ouviu fala do final de caverna do dragão?? eles descobrem que já morreram e todo aquele universo é o inferno e... ah... sim... texto foda xD